Busto

Isabel Lousada

A tradicional imagem da República vive na/da imagem da mulher e descobre um passado vivido por artistas, com relevo para Eugène-Delacroix (1798-1863), inspirando-se em A Liberdade guiando o povo, tela assinada pelo pintor em 1830. A imagem da “Liberdade-Pátria” desenhada pelo artista francês tornou-se modelo iconográfico, admirado um pouco por todo o mundo: a figura de uma mulher usando um barrete frígio com a bandeira tricolor da Revolução Francesa destacando-se, ondulante, em suas mãos.

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Também em Portugal encontramos esta mesma alegoria, com a especificidade do caso português a residir, naturalmente, nas cores contrastantes da bandeira “verde-rubra”, versão lusa da nossa Liberdade. Logo, aquando da proclamação da vitória da Revolução na manhã de 5 de Outubro, se puderam ver as novas bandeiras, desfraldadas da varanda da Câmara Municipal de Lisboa, feitas subversivamente em dias de conspiração, por duas mulheres que souberam manter o silêncio e honrar a confiança de que foram depositárias.
Ainda em 1910, a CML promoveu um concurso a fim de premiar os melhores trabalhos originais de artistas portugueses para serem o “rosto” da jovem República. As cabeças concebidas por Júlio Vaz, Costa Mota (sobrinho) e Tomás da Costa contam-se entre as primeiras. Contudo, em 1912, destacou-se o Busto da autoria do escultor Simões de Almeida (1880-1950), executado para o

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Palácio de S. Bento e que se tornou na imagem oficial da República, passando a ser cunhado em moedas e medalhas comemorativas, o que contribuiu decisivamente para a sua mais ampla divulgação.
Este Busto passou a ser símbolo obrigatório em edifícios públicos, ocupando um lugar de relevo e concorrendo para difundir e uniformizar o padrão da imagem da República. Mas, simultânea e gradualmente, foi perdendo terreno para os outros símbolos nacionais, como a Bandeira, o Hino, o retrato oficial do Presidente ou o brasão de armas - escudo.
Se foi a cabeça que simboliza a Liberdade que caiu em desuso, é tempo, neste ano em que se celebram os 100 anos de República, de repensar a representação que nos bustos e na iconografia deu e continua a dar pleno sentido à imagem da Mulher na sua universalidade.
No Busto, imagem da República simbolizando o futuro, exibe-se, não o regaço que acolhe, mas o peito que alimenta, capaz de nutrir as gerações vindouras.

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O busto de uma mulher representando cabalmente a sua feminilidade que, sem deixar de mostrar a carga erótica inerente, comporta outra simbologia de maior vigor e fôlego: a rebeldia, a ousadia em revelar a nudez. Não é o busto de uma donzela frágil, tímida, recatada, mas o de uma mulher forte, despida de preconceitos, decidida, capaz de iluminar o caminho com o seu facho, de desembainhar a espada para limpar o percurso, de empunhar a bandeira para proclamar vitória! Esta mulher é uma revolucionária, capaz de enfrentar perigos, evocando irmãs de outros cantos do mundo, batalhando como ela por um futuro mais radioso. O Sol que desponta no horizonte é o prenúncio de nova faina, de novo hino à esperança na labuta de trabalhos árduos e difíceis, nova jornada no campo ou na fábrica, seguida de outras, tantas, entre paredes de um espaço a que teimam chamar lar. Mas, este busto multiplica-se, desafiando a inércia e o conformismo. Esta é uma mulher, cujo busto descoberto não a cobre de vergonha, antes a redime, a liberta e lhe conquista outros espaços. Ela destaca-se de entre a multidão, segura da sua contribuição na vitória que se adivinha, invariavelmente semi-coberta com as cores da República, empunhando a sua bandeira!
No Século XXI, homenagear a República é pugnar pela equidade, pois sem ela a paridade não se conquista e a humanidade fica irremediavelmente mais pobre!

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