Câmara Republicana de Lagos (1908 a 1910)

José Alberto Baptista

As eleições municipais de 1 de Novembro de 1908

“Adiadas durante o ministério de João Franco, as eleições para os órgãos administrativos tornaram-se um tema central do debate político e, consequentemente, motivador da crispação social que caracterizou este período. Abafado pelo ruído do Regicídio e de toda a recomposição governativa que daí adveio, o assunto volta a dar que falar logo que as Cortes, resultantes das eleições 5 de Abril de 1908, iniciam os seus trabalhos… De harmonia com a política de «acalmação» que vem prosseguindo, o Presidente do ministério, Ferreira Amaral defende a realização das eleições em Novembro. No dia 3 de Outubro, o Diário de Governo faz público o decreto que manda proceder às eleições das Câmaras Municipais no primeiro Domingo de Novembro e às das Juntas Paroquiais no último domingo do mesmo mês”201.
Decretadas as eleições, o Governo envia em Outubro uma nota aos Governadores Civis sobre as próximas eleições municipais de Novembro. Entendia o Governo que as eleições municipais deveriam servir «não para tratarem da política geral do País”, mas dos interesses e melhoramentos do Concelho, através de homens de bem, sob pena de continuar a ruína financeira dos concelhos.
A Lei Eleitoral, em vigor desde 1901, estabelecia como eleitores todos os cidadãos portugueses maiores de 21 anos e domiciliados em território nacional, que soubessem ler e escrever ou, em alternativa, fossem colectados em quantia não inferior a 500 réis em uma ou mais contribuições directas do Estado. Estava excluída do processo eleitoral a população feminina.
Também o Código Administrativo de 1896 determinava, no Título VI, Eleições dos corpos administrativos, artigo 216.º: “As câmaras municipais e as juntas de paróquia são eleitas directamente pelos cidadãos, cuja capacidade eleitoral esteja para esse efeito verificada no respectivo recenseamento político, feito segundo a lei eleitoral.
§ único. São elegíveis os eleitores dos concelhos ou das paróquias que, sabendo ler, escrever e contar, como tais estejam inscritos no mesmo recenseamento”.
A respeito da legislação eleitoral, a campanha dos republicanos insistia no sufrágio universal e no recenseamento obrigatório. Desde 1905 que desenvolviam uma activa campanha de propaganda, apelando à inscrição da população no recenseamento eleitoral.
A 1 de Novembro de 1908, realizam-se as eleições municipais em todo o País. Sem surpresas, por falta de concorrência eleitoral, a lista republicana de Lagos ganha os cinco mandatos em disputa.
Do resultado eleitoral de 1 de Novembro em Lagos, temos o registo do ofício do Administrador do Concelho ao Governador Civil, enviado a 4 do mesmo mês, não constando nele outros nomes além dos candidatos republicanos:

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Fotocópia do Registo de Correspondência do Administrador do Concelho de Lagos, 1908 – 1910, fl. 51, do Arquivo Municipal de Lagos

Ofício de 4 de Novembro do Administrador do Concelho ao Governador Civil: “Cumpre-me participar a V. Ex.ª que no dia 1.º do corrente teve lugar nesta Cidade a eleição para Vereadores da Câmara Municipal, sem que houvesse o mais pequeno incidente. Foram votados nas duas assembleias com a seguinte votação total:
Efectivos: Jerónimo Vieira Cabrita Rato 299; José Júlio Lapelier Berger 299; Victor da Costa e Silva 299; António Cruz Raimundo 294; Francisco Tavares Del – Risco 297.
Substitutos: Francisco António Correia 297; José dos Santos Dias Júnior 298; João António Delgado 295; Romão Jacinto da Costa 299; José Rodrigues Calado 299. Todos recenseados como elegíveis”. Assina: Cabral.
Não havendo informação da posse, nem da eleição do Presidente, poderemos presumir que terá presidido à primeira sessão, a 30 de Novembro, de acordo com o estipulado pelo Código Administrativo, António da Cruz Raimundo, o mais velho dos Vereadores, recaindo a eleição do Presidente em Dr. Jerónimo Vieira Cabrita Rato e, do Vice-presidente, em José Júlio Lapelier Berger.
Após a tomada de posse, e concluída a eleição interna, ficou assim constituído o elenco municipal da 1.ª Câmara republicana de Lagos: Presidente – Dr. Jerónimo Vieira Cabrita Rato; Vice-presidente - José Júlio Lapelier Berger; Vereadores - Victor da Costa e Silva, António Cruz Raimundo e Francisco Tavares Del – Risco.
É oportuno referir que todos estes membros republicanos da Câmara de Lagos iriam exercer, em períodos distintos, o lugar de Presidente da Câmara, até 1914, com excepção de António da Cruz Raimundo. Em 1915, já depois de terminar a “odisseia” dos vencedores de 1 de Novembro de 1908, Victor da Costa e Silva é ainda eleito Presidente da Câmara.
Recapitulando o que dissemos sobre o sistema eleitoral, “ as votações nas eleições autárquicas eram geralmente ainda mais baixas do que nas eleições para deputados. O eleitor desinteressava-se e ficava em casa, com um elevado índice de abstenções, mormente nas eleições de juntas de paróquia. Nunca, no tempo da Monarquia até 1904, se ligou importância de maior a estas eleições”- informação retirada do “Censo eleitoral da cidade de Lisboa”.
Nas grandes cidades, como era o caso de Lisboa, a percentagem de votantes frente ao número de recenseados não atingia os 20%. Subia nas eleições municipais, mas raramente excedia os 50% ”202..
Assim se compreenderá melhor que, no universo de recenseados em Lagos, presumivelmente à volta de 1 000 eleitores, as eleições de 1 de Novembro tivessem a participação cerca só de 30% dos recenseados. A questão do número de cidadãos com capacidade eleitoral em Lagos já foi anteriormente objecto de análise e de opinião.
Com esta votação, nasce a Câmara republicana de Lagos, uma das 12 que, em 1 de Novembro de 1908, venceu maioritariamente em todo o País, entre as quais se evidencia a Câmara de Lisboa.
“As vitórias republicanas situaram-se em Lisboa, Alcochete, Aldeia Galega (actual Montijo), Almeirim, Benavente, Castro Verde, Cuba, Grândola, Lagos, Moita, Odemira e S. Tiago de Cacém e acabaram por servir de ensaio para a implantação do novo regime, dois anos depois. Para além destes 12 municípios, totalmente republicanos, o P.R.P. teve alguma expressão nos concelhos de Abrantes, Alvito, Barquinha, Caldas da Rainha, Cartaxo, Castendo, Castro Daire, Constância, Crato, Nazaré, Paços de Ferreira, Penalva do Castelo, Penedono, Porto, Ponte de Sor, Porto de Mós, Régua, Silves, Sobral do Monte Agraço, Sousel e Vila Franca de Xira”203.

Câmara Republicana de Lagos: 1908 até 5 de Outubro de 1910.

Em princípio, as Câmaras eleitas em 1 de Novembro tomariam posse a 30 de Novembro. Não temos documento da tomada de posse da Câmara de Lagos, mas, sabemos que, no dia 1 de Dezembro, o despacho da correspondência da Câmara de Lagos já leva a assinatura do Presidente Jerónimo Rato, com a referência à sessão de “ontem”.
Jerónimo Rato será reeleito em Janeiro de 1909 e presidirá à municipalidade republicana de Lagos até Janeiro de 1910, sendo, então votado José Júlio Lapelier Berger como Presidente.
Sobre as consequências do acto eleitoral, em primeiro lugar, há que referir que a eleição da Vereação republicana de Lagos não foi bem vista pelo Governo Central, o que acarretou alguns dissabores a Lagos, como, por exemplo, o afastamento da Banda do Regimento n.º 33 de Lagos para Beja, o que irá motivar um desgosto colectivo, devido à sua ausência nas comemorações do 1.º aniversário da República, como relataremos.
Este afastamento causou desgosto aos lacobrigenses, “pois que por esta Cidade ser republicana foi tratada pela Monarquia como filha espúria [sublinhado nosso] e D. Carlos apesar da sua promessa fez tirar o Regimento de Infantaria 33 e respectiva banda”, lê-se em telegrama enviado ao Sr. Ministro da Guerra em 30 de Setembro de 1911, pelo Presidente Júlio Berger.
Mas, do dia seguinte, dizia-se mais: “por causa dos republicanos foi Lagos perseguida pela Monarquia e não é melhor tratada pela República”!
Em segundo lugar, foi notória a crispação entre o poder eclesiástico regional e local, como aconteceu aquando da visita do Bispo do Algarve, D. António Barbosa Leão, ao Concelho de Lagos, como não deixaremos de referir.
Mas, a vitória republicana de Lagos não foi mero acaso histórico. Para além da tradição liberal e maçónica de que era herdeira, a geração republicana de Lagos tinha constituído várias Comissões Paroquiais e uma Comissão Municipal onde imperavam as três personagens que dominaram o período republicano que estudamos: Dr. Jerónimo Rato, primeiro Presidente republicano da Câmara de Lagos; José Júlio Lapelier Berger, Presidente da Câmara no dia 5 de Outubro de 1910 e que teve a elevada honra de hastear e desfraldar a bandeira republicana nas varandas dos Paços do Concelho; Francisco de Jesus Gomes, o Presidente da Comissão Municipal Republicana em 1908 e que, em 7 de Outubro de 1910, se tornou o 1.º republicano Administrador do Concelho.
São estes três nomes que o Almanaque Republicano, em “Efemérides de Março de 1908”, relativas ao dia 8 desse mês, recorda numa acção de campanha eleitoral. Como sabemos, 1908 foi palco de eleições Parlamentares a 1 de Abril e de Municipais a 1 de Novembro.
“ 8 de Março de 1908. Bensafrim (Lagos): Realizou-se um comício de propaganda eleitoral promovido pela Comissão Municipal Republicana de Lagos. Perante grande assistência da localidade e arredores, discursaram Francisco de Jesus Gomes, na qualidade de mais antigo republicano e presidente da Comissão Municipal Republicana de Lagos, o Dr. Jerónimo Cabrita Vieira Rato e José Júlio Lapelier Berger” (Almanaque Republicano).
Também o Clube Artístico Lacobrigense insere, na sua acta de 29 de Outubro de 1908, nas vésperas do acto eleitoral, o debate que se deu naquela assembleia, em razão do pedido, por parte da Comissão Municipal Republicana, das salas do Clube “para a realização de uma conferência sobre assuntos patrióticos”.
Usaram da palavra o António Cruz Raimundo - António Cruz Raimundo participará em todas as Vereações republicanas de Lagos, desde de 1908 até 1914 -, ”como membro da comissão municipal”, informando que na dita conferência estaria presente o Dr. Bernardino Machado, e que, dada a recusa por parte do Teatro e da Casa da Filarmónica (Escramalhas), por esta ser propriedade do Sr. Caetano Lopes - então Vice-presidente da Câmara -, se viraram para o Clube Artístico.
Presidia ao Clube Joaquim dos Santos Martins que, dadas as suas eventuais ligações republicanas, terá respondido a um dos sócios, “digo-lhe que a palavra republicano não soa tão mal como parece”. Depois de uma acalorada discussão, a assembleia aprovou por maioria a cedência das salas; esta decisão não teve consequências práticas, uma vez que Bernardino Machado já tinha anulado a sua vinda a Lagos. Contudo, não faltaram os remoques finais, entre apoiantes republicanos e apoiantes do Administrador do Concelho, Sebastião Galvão, que, segundo um dos sócios, “ não é tão feio como se imagina”(204).
Estávamos nas vésperas das eleições municipais de Novembro, pelo que o ambiente do Clube Artístico deixa transparecer alguma tensão entre os republicanos locais e os sócios ligados ao sistema e ao Administrador.
De entre os actos de mais relevo desta primeira composição municipal republicana, salientamos os seguintes:
A eleição republicana da Câmara de Lisboa tinha feito eco por todo o País, com especial relevo entre as Câmaras republicanas, como a de Lagos. Assim, a 24 de Dezembro 1908, o Presidente Jerónimo Rato envia o seguinte texto ao Presidente da Câmara de Lisboa: ” A Câmara Municipal de Lagos tomou conhecimento do ofício de V. Ex.ª n.º 1906 e resolveu, agradecendo, saudar na pessoa de V. Ex.ª a Vereação republicana da Câmara Municipal de Lisboa e prestar-lhe a devida homenagem, protestando toda a solidariedade e fazendo votos para que as justas aspirações do Partido Republicano Português, tão dignamente representado por essa ilustre Vereação, sejam uma realidade e se reflictam em todo o País por actos tão honestos, ponderados e de tanto alcance administrativo como os já praticados por essa Câmara”.
Sabemos as dificuldades que os republicanos de Lisboa tiveram para iniciar o seu mandato, tendo mesmo que tomar a iniciativa de eleger o seu Presidente, como consta da 1.ª Acta da Câmara de Lisboa: “Como por parte do Governo não tivesse sido ainda nomeado o Presidente da Câmara “ - o Presidente da Câmara de Lisboa era de nomeação governamental -, os vereadores presentes elegeram “ o senhor Anselmo Braamcamp Freire”. O mesmo Anselmo B. Freire que presidirá à abertura da Assembleia Constituinte em 1911.

Ano de 1909.
O Presidente da Câmara, Jerónimo Rato, por ofício de Abril de 1909, informa que a Câmara de Lagos se fará representar “no Congresso Municipalista por mim, pelo Vice-presidente José Júlio Lapelier Berger e pelos vereadores Francisco Tavares Del-Risco, António da Cruz Raimundo e Joaquim dos Santos Dias Júnior”. Nesta altura, Joaquim Júnior ocupava o lugar de Victor C. e Silva.
Lagos será um dos muitos participantes dos Congressos Municipalistas de Lisboa (1909) e do Porto (1910).
“O Congresso Municipalista, que se realizou no salão nobre dos Paços do Concelho, entre os dias 16 e 21 de Abril de 1909, foi a primeira grande realização política nacional da nova vereação republicana, eleita nas eleições municipais de Lisboa de 1 de Novembro de 1908.
A primeira reunião magna dos municípios portugueses teve por objectivo a defesa da autonomia municipal, face à “repressão centralizadora” de então – uma reivindicação comum a todas os municípios, monárquicos ou republicanos, o que explicou a elevada adesão ao congresso, com 158 câmaras municipais, que enviaram 236 representantes –[ Lagos enviara toda a sua Vereação ] -, bem como a participação de várias juntas de paróquia, escolas, associações e colectividades da capital.
Durante o congresso foram apresentadas e discutidas várias teses, com destaque para a Autonomia Municipal e consequentes descentralizações administrativas, de Cunha e Costa, a Federação dos Municípios, de Agostinho José Fortes e a Municipalização dos serviços públicos, de José Miranda do Vale””205.
Este acontecimento, em que Lagos se quis representar por todos os seus Vereadores, ficaria reconhecido como um momento importante da “história do municipalismo português”.

Ano de 1910.
Este ano é o ano da viragem, sendo o seu interesse histórico deveras importante. Pelo que dividimos o ano em duas partes: até 5 de Outubro e depois de 5 de Outubro.
Fixemo-nos na primeira parte, até 5 de Outubro de 1910, deixando a segunda para um tratamento especial.
A 3 de Janeiro de 1910, realiza-se a primeira da sessão do ano da Câmara Municipal, sendo o ponto principal da agenda a eleição do Presidente e do Vice-presidente.
Lendo a respectiva Acta: “Aberta a sessão pelo Sr. Dr. Rato, estando presentes os Srs. Berger, Dias e Raimundo. Aprovada a minuta da acta da sessão antecedente e justificada a falta de comparência do Sr. Del-Risco. Em seguida, tomou a presidência o vereador mais velho, Sr. Raimundo, e sobre essa presidência se procedeu, com as formalidades legais, à eleição do presidente e do vice-presidente para a mesma Câmara, durante 1910, sendo o resultado dessa eleição o seguinte: Para Presidente: José Júlio Lapelier Berger – três votos; Dr. Jerónimo Vieira Cabrita Rato, um voto. Para Vice-presidente: Francisco Tavares Del-Risco, quatro votos. A Câmara, já sob a presidência do Sr. Berger, deliberou que as sessões ordinárias da mesma Câmara sejam pelas 12 horas da manhã, de todas as quartas feiras. Não havendo mais a tratar o Sr. Presidente encerrou a sessão. Eu, João P. Rocha, secretário da Câmara, a escrevi”.
Seguem-se as assinaturas dos quatro membros presentes da Câmara Municipal: José Júlio Lapelier Berger, Jerónimo Vieira Cabrita Rato, António da Cruz Raimundo e Joaquim dos Santos Dias Júnior.
Cumprindo o estipulado pelo Código Administrativo de 1896, a eleição do Presidente da Câmara levou a uma alteração em relação ao ano de 1909: José Júlio L. Berger substitui, em razão da votação dos seus pares na Vereação, o Dr. Jerónimo Rato.
Na sessão de 27 de Janeiro, o secretário Manuel João P. Rocha apresentou à Câmara a “Monografia de Lagos” de sua autoria. Monografia que irá ocupar muito texto das actas seguintes, servindo de pretexto, mais tarde, a reclamações por Lagos não ter sido melhor recordado, durante a celebração das Guerras Peninsulares. Deste facto, o Presidente Berger dará a sua versão, aquando das comemorações da batalha do Buçaco.
A 16 de Fevereiro, a Câmara deliberou “que o seu Presidente fosse cumprimentar Sua Ex.ª Rever., o Bispo do Algarve, quando este fizesse a sua anunciada visita oficial a Lagos”. O modo como decorreu a visita do Bispo do Algarve a Lagos voltará a ser assunto de debate entre a vereação.
A 18 de Maio, o vereador Victor da Costa e Silva retoma o seu lugar na vereação. Nesse mesmo dia, o assunto da visita do Bispo do Algarve mereceu referências na respectiva acta. Depois de recusar o pedido de asseio para as ruas e paredes dos prédios da Luz, por motivo da visita do Bispo, “vistas as boas condições em que se achava a povoação”, deliberou a Câmara que “o seu Presidente aceitasse o convite referido, se serviço do seu cargo não o obrigasse a estar na sede do Município”.
A acta de 1 de Junho é um relato sobre a delicadeza da Câmara de Lagos e sobre a indelicadeza do Bispo do Algarve, o que reforça a opinião de que o universo eclesiástico se movia com dificuldades no relacionamento com uma Câmara republicana.
“O Sr. Presidente informou a Câmara de que, cumprindo deliberação municipal de 11 do corrente mês [não foi a 11, foi a 18, e foi do mês de Maio], fora cumprimentar o S.Ex.ª Rev.ª o Bispo do Algarve, D. António Barbosa Leão, alguns minutos depois da sua chegada a Lagos em visita oficial, levando o mesmo Presidente a faixa da vereação a tiracolo e sendo acompanhado, no impedimento do secretário da Câmara, pelo amanuense Manuel Galvão Rocha. S. Ex.ª Rev.ª recebera-o com muita urbanidade e dirigira-lhe palavras de agradecimento pelos cumprimentos que em nome do município lhe apresentara. Essas palavras, porém, não sua opinião, não dispensava S. Ex.ª Rev.ª de, nos Paços do Concelho, agradecer à Câmara os referidos cumprimentos e, convicto disso, esperava-o para o receber, nos ditos Paço, no dia seguinte e nos outros dias que S. Ex.ª Rev ª esteve em Lagos, desde as 9 horas da manhã até depois das 4 horas da tarde. Foi baldado esse incómodo. S. Ex.ª Rev ª não se dignou retribuir os cumprimentos do município de Lagos, tornando bem frisante que o faria de propósito, indo à secretaria militar retribuir os cumprimentos que lhe tinham sido feitos pelos oficiais de artilharia e de infantaria…”
Continuando o seu relato, o Presidente Berger lembra que o referido Bispo lhe enviara um cartão pessoal de agradecimento, pelo que Berger esclarece: “ Ora Berger não lhe fizera visita, nem lha faria como particular, porque só visita indivíduos das suas relações”.
Findo o relato do Presidente, e depois do Vereador Victor Silva ter elogiado a deliberação da Vereação, “pondo de parte o seu modo de ver religioso e político”, propôs “que se consignasse nesta acta a exposição feita pelo Sr. Presidente, afim de que vereações futuras regulem o seu proceder para com aquele Bispo nas visitas que porventura ainda fizer a esta cidade. Essa proposta foi aprovada”.
Sobre o Bispo do Algarve, já fizemos algumas referências aquando da matéria da questão religiosa. O seu comportamento em Lagos confirma a opinião que sobre ele então foi formulada: um eclesiástico rigorista e da linha romana que, mais tarde, seria nomeado Bispo do Porto.
A acta de 1 de Junho termina com a deliberação da Câmara “fazer-se representar no Congresso Municipalista, que terá lugar no Porto, nos dias 18 a 22, pedindo ao Exmo. Sr. José Miranda do Vale que representasse o concelho de Lagos no dito Congresso”. Miranda do Vale é um prestigiado republicano, vereador da Câmara de Lisboa e um dos interventores nos Congressos Municipalistas.
Na sessão de 10 de Agosto, é proposto um voto de louvor ao amanuense José Paletti que acabara de solicitar a sua aposentação. A personalidade de José Paletti, quer como cidadão, quer como funcionário público, merece rasgados elogios dos seus superiores e da comunidade política. Aliás, era reconhecido como um dos mais ilustres republicanos lacobrigenses.
Nesse dia, delibera a Câmara pedir “a criação de uma escola mista no povo de Barão de S. João, freguesia de Bensafrim, responsabilizando-se a mesma Câmara a fornecer mobília para ela necessária e casa para aula e para residência do professor”.
A 14 de Setembro, é aprovado a João António Júdice Fialho um”cano para escoo das águas da sua fábrica de conservas sita na rua da Aldeia”. Nesse dia, a Câmara aprova o 1.º orçamento suplementar para 1910, bem como “o lançamento municipal de impostos directos isentos respectivos a 1910-1911”.
Na sessão de 29 de Setembro, o Presidente Berger “informou a Câmara de que representara o município na Comemoração do Centenário da Batalha do Buçaco, promovida pela bateria n.º 4, aqui de guarnição”.
Narra como decorreram as festividades da batalha, mas, não se conteve e repetiu o que tinha, na ocasião, dito: “Representando eu, porém, esta cidade, não posso deixar de reivindicar para ela tudo aquilo a que tem direitos – que muito a honraram e a enaltecem. Quero referir-me ao Regimento de Lagos, de Infantaria n. 2, que assistiu a essa batalha. A história não se inventa; ela não é mais do que a documentação de factos passados, de cuja filosofia nos convém tirar proveito…” E recorrendo-se, durante a sessão da Câmara, à Monografia de Lagos, leu-se o diário do Regimento que nele se encontra inscrito.”206.

Depois, chega o tão desejado dia da implantação da República, o dia 5 de Outubro. As actas e os actos da Câmara de Lagos assumem outra dimensão, em concerto com a nova e revolucionária situação política do País.


201. Rita Correia, As eleições municipais de Lisboa, in RevelarLX, Outubro 2008.

202. A.H. Oliveira Marques, Ob.cit., pp. 227 – 228.

203. Jorge Mangorrinha, in Gazeta das Caldas, 2008.

204. José A.J. Martins, Elementos para a História do Clube Artístico Lacobrigense, pp. 39-41.

205. Do sítio da CNCCR – Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República. José Miranda do Vale representará Lagos no Congresso Municipalista de 1910, realizado no Porto.

206. A diversidade de números dos Regimentos sediados em Lagos, durante o período liberal e republicano, impõe uma sumária anotação. Em 1806, é o Regimento de Infantaria 2, o mesmo que participaria na Guerra Peninsular e a que se refere o Presidente Berger. Em 1837, o Regimento de Infantaria de Lagos é o 12. Em 1842, passa a Regimento de Infantaria 15, o qual, em 1901 muda para Infantaria 17. A partir de 1911, a designação, - que manteve até 1926 -, é a de Regimento de Infantaria 33, o qual atravessa o período republicano que estudamos, e à cabeça do qual, Leonel Vieira participará no 28 de Maio de 1926. Este Regimento voltou a ser o 15 (1926), e mais tarde o 4, sendo, finalmente, substituído pelo Batalhão Caçadores 4 (1948). A última unidade militar sediada em Lagos foi o Centro de Instrução Auto 5, desactivado após a Revolução de Abril de 1974.
Entretanto, em Lagos, ao lado do Regimento de Infantaria, havia o Regimento de Milícias. Na devassa de Nicolau Estrela, em 1828, se cita “o Regimento Número Segundo estacionado” em Lagos, bem como o Regimento de Milícias” absolutamente governado por pedreiros-livres”. O batalhão de Milícias de Lagos também participaria na Guerra Peninsular. Na acta de 29 de Setembro, Berger faz referência à Bateria (Artilharia) n.º 4, “aqui de guarnição”; porventura, uma das quatro unidades da chamada Artilharia do Pé do Castelo que guarnecia os fortes e as fortalezas do Algarve.

Retirado da Monografia “Lagos, O Republicanismo e a Administração Municipal (1908-1914) de José Alberto Baptista, p. 182-191, obra no prelo.

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