XXXIII - O Jornalismo Portuense e a Revolta de Janeiro

Amadeu Carvalho Homem

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João Chagas, o jornalista revolucionário por excelência.

A organização do republicanismo portuense no início de 1890 era muito deficiente. Algumas das suas mais representativas individualidades, como Rodrigues de Freitas, Alexandre Braga e Ricardo Jorge, faziam alarde do seu distanciamento em relação a um envolvimento militante. Os elementos mais activos recrutavam-se agora em franjas menos credibilizadas e com menor reconhecimento público. Desde 1888 que o Porto dispunha de um incendiário órgão da imprensa, o periódico O Radical, entregue aos arroubos de Felizardo Lima e de outras figuras subalternas. Chegou até a criar-se na Cidade Invicta um Partido Republicano Radical, saudado em Lisboa por Manuel de Arriaga e por uma comissão provisória que pretendeu, sem êxito, criar na capital uma associação política congénere.

Quando a Liga Patriótica do Norte se dissolveu, cresceu o inconformismo de um núcleo de publicistas e intelectuais que se reuniam em torno do jornal portuense A República. Era um núcleo valioso, composto por gente do quilate de Basílio Teles, José Pereira de Sampaio (Sampaio Bruno) e João Chagas, que nos artigos aí insertos não se cansava de protestar incessantemente contra o rei, de interpelar sem cerimónias os políticos monárquicos e de repudiar às claras as instituições. Este grupo, partilhando embora com Felizardo Lima a ideia da necessidade de protestos mais enérgicos, recusava identificar-se com fórmulas excessivas ou demagógicas, opondo-lhes um igual inconformismo, mas reivindicando uma abordagem mais intelectual das questões. Os manifestos mais agressivos dados a lume no jornal A República eram assinados por João Chagas, outrora talvez afeiçoado à monarquia, mas agora de alma e coração com a República, em consequência da apaixonada comoção do Ultimato. Nele imprimiu Chagas o artigo “Basta!”, que se traduzia numa verdadeira exortação à desforra pelas armas. O autor foi querelado pelo ministério público e, por seu turno, os proprietários do jornal não aceitaram de bom grado a co-responsabilização na demanda judicial. Tornava-se necessário continuar o acerto de contas noutro poiso. Por isso, esta verdadeira vanguarda jornalística republicana entendeu abandonar A República. Mas iremos encontrar os mesmos redactores, com redobrado vigor, no novo jornal A República Portugueza (sic), o qual recebia o patrocínio financeiro de três pequenos industriais portuenses.

Os escritórios d’A República Portugueza passaram a ser frequentados por soldados, cabos e sargentos, convertendo-se num foco permanente de sedição e de descontentamento das patentes militares mais baixas. Mas esse lugar não era apenas a sala de visitas das casernas em ebulição. Era também a caixa do correio de numerosas declarações colectivas de desagravo, firmadas invariavelmente por homens humildes das diversas unidades do país. João Chagas e os seus companheiros não trepidavam em exarar nas colunas do jornal esses apelos ao brio guerreiro e à necessidade de suprimir definitivamente o regime vigente, recorrendo a meios distantes daqueles que o eleitoralismo proporcionava. Outras mensagens de protesto provinham de estudantes e de populares sem especiais qualificações. A maior parte delas acabavam estampadas neste irreverente órgão da imprensa. A alma de toda esta maquinação de imprensa foi incontestavelmente João Chagas.

Publicava-se também no Porto uma outra folha, muito desafecta à Monarquia. Tratava-se d’A Justiça Portugueza, a qual teremos de colocar nos antípodas daquelas que vimos referindo. Dirigida por Santos Cardoso, A Justiça Portuguesa foi um simples jornal de tricas pessoais e de escândalos públicos, sem programa ideológico e sobretudo sem dignidade cívica. Santos Cardoso fez dessa publicação o vazadouro das suas fanfarronadas e o instrumento das suas simpatias ou antipatias subjectivas. Mas é inegável que o jornal corroborou o esforço dos seus congéneres, uma vez que as diatribes verrinosas e de baixo nível de Santos Cardoso alvejavam frequentemente os poderes instalados e as forças sociais mais próximas da realeza. O Directório de Lisboa, enquanto esteve nas mão de Elias Garcia, chegou a reconhecer os préstimos deste miserando plumitivo.

A próxima revolta portuense de 31 de Janeiro de 1891 nutriu-se destes antecedentes. Desta forma se preparava, num subsolo de valia –mas também de opróbrio – a mais simbólica tentativa para a exautoração pela força do liberalismo monárquico.

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